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A 300, um indivíduo ou um ser humano?

Certa vez, enquanto aguardava pacientemente a minha vez em uma agência bancária, fui catalogada pela senha A 300. Como boa cidadã, sentei-me no banco duro, frio e temido da sala de espera. Ao meu lado, encontrava-se o senhor B 006 e do outro a senhora C007.

Durante o longo tempo em que estive ali, mantive meus olhos fixos nas belíssimas palavras de Virginia Woolf. Deixei-me levar pelos devaneios incessantes de Mrs. Dalloway mergulhando em seu profundo estado de consciência.

Entretanto, com olhos cansados e com a mente fervilhando novas ideias repletas de questionamentos internos, passei a observar mais claramente o ambiente ao meu redor.

Comecei com o senhor B006, que por debaixo da pele enrugada e por trás das pálpebras caídas consumidas pela idade avançada, mantinha seus olhos fixos em um número gerado por um computador e periodicamente levantava o rosto para uma tela, a qual determinava quem deveria comparecer no seu destino, quem deveria ser convocado e quem ainda permaneceria anestesiado em seu lugar, como um robô programado.

No entanto, quem era o senhor B006? De onde ele vinha? Isso claramente não era importante, pois seu nome atual era B006.

Desviei meu olhar para a senhora C007. Com o semblante cansado ainda segurava seu bebezinho, talvez recém nascido, talvez fosse seu neto, já que os tempos mudaram tanto nas últimas décadas. Mas, quem era ela? Qual era seu nome? Também não era importante, pois em suas mãos úmidas segurava ansiosamente um papel amarelado com a senha C007.

Olhei atentamente para o restante da sala, procurei manter a mente aberta para as coisas que eu via e todos os indivíduos catalogados faziam a mesma atividade repetidamente: Mantinham-se hipnotizados pela "grande tela mãe" que com apenas um bipe poderia decidir o futuro de todos eles. Obedientes ao comando eletrônico, cada um se dirigia para o seu caminho para ser atendido por outros indivíduos desconhecidos.

Sua experiência, seu modo de vida, seus olhos enrugados e o bebê em seus braços, nada era relevante, pois eram apenas conjuntos alfanuméricos aglutinados em uma mesma sala, que embora estivessem juntos fisicamente, estavam totalmente a sós como indivíduos, como pessoas.

A tecnologia, permitiu catalogar pessoas, transformá-las em extensões de suas próprias máquinas, dividi-las e multiplicá-las, porém não foi capaz de transformá-las em seres humanos, mas as afastou cada vez mais do que significa "ser humano", tornando-as inúteis em seus relacionamentos interpessoais.

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