O surto
- Jéssica Bajarunas
- 6 de nov. de 2018
- 4 min de leitura
Olá passageiros do Trem Literário! Hoje vou compartilhar com vocês mais um texto autoral que eu escrevi esses dias. Espero que vocês gostem!
O SURTO
Era uma manhã como qualquer outra. Levantei, tomei o meu café e me arrumei para trabalhar. Cheguei no hospital por volta das oito, os raios de sol atravessam as vidraças iluminando o corredor de vidro. Ainda bocejando e com os olhos sonolentos, coloquei o meu jaleco verde erva-doce, passei um batom vermelho nos lábios e caminhei pela longa sala de espera, a qual esta manhã encontrava-se com poucos pacientes.
Dirigi-me até o balcão e acenei inutilmente para a recepcionista, a qual encontrava-se distraída com o seu celular. Seus olhos castanhos claros estavam cobertos por algumas mechas de cabelo que caíam suavemente pelo seu rosto. Tentei me aproximar, fiquei de frente para ela.
-Sara!- eu chamei tocando em seu ombro.
Ela permaneceu na mesma posição, como se estivesse paralisada.
- Sara! -tentei uma terceira vez.
Levantei as mechas que cobriam o seu rosto, e me deparei com uma figura pálida com olhos extremamente fixos no celular. Suas mãos, por outro lado, mexiam-se freneticamente no teclado.
Um grito de profundo horror volto a minha atenção para a porta. Um homem jovem e bem vestido, eu executivo, talvez, gritava de dor. Ajoelhado e com as mãos no rosto implorava por ajuda no chão do hospital. Corri até ele.
- Senhor consegue levantar? – Eu perguntei.
- Está ferido? – Perguntei colocando a minhã mão sobre a dele, e tentando verificar possíveis ferimentos.
Não havia nenhum ferimento visível.Tentei levantá-lo para examinar melhor, mas nesse momento outro paciente, desta vez uma mulher idosa que estava na recepção caiu no chão. Desesperada, corri até ela.
Ela segurava sua garganta com as duas mãos e tossia muito. Seus olhos vertiam lágrimas de horror. A paciente parecia estar engasgada.
Em questão de segundos, outros pacientes começaram a passar mal. Uma onda de pavor e desespero tomou conta do local. Outros pacientes começaram a entrar e a ter reações inexplicáveis.
Olhei para o balcão e notei que Sara ainda continuava paralisada. Pulei por cima de alguns pacientes e me dirigi até o telefone. Liguei para a emergência. Precisava de muitas ambulâncias, precisava de outras pessoas. Porém, tudo o que eu encontrei do outro lado da linha foi uma voz robotizada e sem vida “Este número de telefone não existe, favor consultar o catálogo...” O telefone caiu da minha mão.
Em instantes, a recepção ficou lotada de pessoas com reações semelhantes. A gritaria de alguns aumentou a sensação de pânico e impotência. Há cinco anos eu sou formada em Medicina, e jamais havia me deparado com uma situação tão perturbadora. O que seria isso? Um caso de histeria coletiva?
A hipótese de um vírus ter atingido todas aquelas pessoas, me congelou por um instante. Rapidamente, coloquei uma máscara e continuei olhando para todas aquelas pessoas, que imploravam, gritavam e suplicavam por ajuda.
Sentei-me no chão, minhas mãos tremiam e minha boca estava seca. O hospital começou a girar, é como se tudo a minha volta tivesse se tornado mais claustrofóbico Sim! Eu estava em pânico e me sentia péssima por isso, pois teoricamente era eu quem deveria estar preparada para situações de emergência.
Fechei os olhos por um momento, tentei me lembrar das aulas mais chatas da faculdade, dos estudos dos casos bizarros da Medicina.O que estava acontecendo? Eu não sabia, pela primeira vez eu parecia estar sem respostas, sem um laudo.
Deixei a minha mente vagear, refleti criticamente sobre a nossa sociedade. Quando perdemos a voz? Quando nos tornamos cegos a ponto de não observarmos os problemas claros que estão diante de nós? E quantas vezes nos tornamos surdos para não ouvir verdades claras que poderiam mudar nossas vidas?
Com coragem, levantei-me do chão. Eu precisava fazer alguma coisa. Isso era minha responsabilidade! Olhei novamente para a Sara, que permanecia na mesma posição. Aproximei-me dela e derrubei de propósito o celular que ela segurava, alguma coisa tinha que chamar a atenção dela e isso sem dúvida precisava de medidas drásticas.
- O que aconteceu? – Perguntou-me Sara, ainda um pouco atordoada.
Nesse instante foi um misto de gratidão e alegria por não estar mais sozinha, mas ao mesmo tempo, a resposta que eu tanto esperei. A situação naquele hospital, por algum motivo estava relacionada ao uso daquele aparelho.
Corremos em direção às pessoas histéricas e fomos afastando o aparelho delas. Surpreendentemente, elas foram voltando ao normal, e assim como Sara, ficaram confusas com tudo o que aconteceu. Algumas não sabiam nem como tinham chegado aqui.
Aos poucos, a sala foi se tornando vazia e tranquila novamente.
Depois desse episódio atípico em minha vida, passei a refletir sobre o uso das tecnologias atuais e como essas ferramentas, algumas vezes, estão sugando a vida das pessoas, por assim dizer. É como se o mundo real, o nosso mundo, não fosse significativo o bastante para elas e que o mundo digital fosse muito melhor.
Como médica, acredito que essa experiência incomum, tornou-me mais crítica e intuitiva. Depois desse dia, eu decidi apreciar os meus sentido, a usar a fala para expressar verdadeiramente as minhas opiniões, a visão para não fechar os olhos para as injustiças e principalmente a audição, para saber ouvir os outros verdadeiramente, e usar todos esses sentidos num contato humano e real.